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Charlô Whately  Foto: Vans Bumbeers / Velvet

Os deliciosos casos e acasos do chef Charlô Whately: "Sou ousado e não tenho medo"

Há mais de quatro décadas ele faz parte da história da gastronomia de São Paulo

Imagem: Vans Bumbeers / Velvet
  • Cíntia Marcucci
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Uma amiga conta que, ao comentar que estava hospedada em minha casa e perguntar se a pessoa me conhecia, essa pessoa respondeu com um sorriso, como se me imitasse”, conta Charlô Whately. E é verdade. Foi fácil reconhecer sua figura sorridente, despojada e de cabelos grisalhos entrando pelo salão repleto de verde e luz natural do Bistrô Charlô, no Hotel Pulso, em Pinheiros.

Passava um pouco das 10h e alguns últimos hóspedes terminavam seu café da manhã quando começamos a nossa conversa. Carlos Thomaz Whately Neto cumprimentou a equipe, sentou e pediu um café, uma água e um queijo quente feito com queijo branco e muçarela e se serviu das frutas que já estavam na mesa. Ele é paulistano — embora ainda hoje há quem jure que é francês — e faz parte da história da gastronomia da cidade há mais de quatro décadas.

A arquitetura acolhedora do Pulso
A arquitetura acolhedora do Pulso
Foto: Vans Bumbeers / Velvet

Memórias de uma história de sabor

Dá para perceber rápido os porquês desse relacionamento tão longevo e positivo com o ofício. Charlô presta atenção e se interessa pelo que cada comensal tem a dizer. Ficou genuinamente feliz em saber que esta repórter se lembrava das batatinhas assadas, montadas com creme azedo e presunto cru ou salmão, servidas quando ele comandava o buffet do Jockey Club de São Paulo (do fim dos anos 1990 até o início de 2015). “Você sabe que eu trouxe essa ideia depois de um evento que fizemos durante a Copa do Mundo da França? Que legal que você se lembra!”. O quitute ficava em uma bandeja com uma cama de sal grosso, quentinho, e vinha em espetinhos de bambu. Inesquecíveis, simples e deliciosas.

Quem passa por seus estabelecimentos também sempre se recorda de seu bolo de nozes, o merengue, as tortas e o famoso patê de fígado de galinha, que deu início a tudo no início dos anos 1980, quando cozinhar não tinha tanto glamour. Claro que as pessoas se lembram desses sabores por serem ótimos, mas conta muitos pontos que Charlô os carregue consigo para cada lugar que comanda. Estão todos no cardápio do Bistrô Charlô e da CHA CHA & Boulangerie no térreo do Pulso, em uma empreitada que completou oito meses no início de dezembro. Por 35 anos, o restaurateur comandou um salão nos Jardins e hoje prepara 5 mil refeições por mês, quase o triplo de antes.

“No começo, eu saía topando tudo: imagina aceitar em 1981 uma encomenda de vários quilos de patê em pleno final de ano para fazer em uma cozinha doméstica e sozinho? Ou sair vendendo sobremesas de porta em porta nos empórios e restaurantes?

Os ventos que sopraram para Pinheiros

A mudança deveria ter acontecido antes, lá por 2021, mas veio a pandemia e bagunçou um pouco os rumos, fazendo com que até um inédito delivery entrasse na ordem do dia das encomendas dos clientes. Sobre mudanças, aliás, Charlô diz que as ousadias maiores ficaram nos tempos da juventude e hoje faz as coisas de um jeito um pouco mais calculado. “Eu arriscava mais, hoje eu tenho um nome e uma reputação”, diz ele, como se trocar um espaço consolidado depois de 37 anos para atender todas as refeições, do café da manhã ao serviço de quarto e eventos de um hotel, às vésperas de completar 70 anos de idade, não fosse um movimento ousado.

Sou ousado e não tenho medo. Realmente não achava que estaria começando um novo negócio nessa fase da vida

Felipe Sigrist, seu sócio, trabalha na administração e na organização. Charlô assume que seu processo é bem caótico e, se antes fazia tudo sozinho, hoje essa ajuda na sociedade resolve bem o fluxo.

Sempre foi festeiro. Tanto que os primeiros patês vendidos pagaram uma viagem de verão para Búzios com seus amigos. Ele tinha 24 anos e acabava de largar o mercado financeiro com o apoio e incentivo do pai. Em casa, na juventude, escutava que não precisava usar gravata e que podia fazer o que gostasse para ser feliz. Funcionou. As festas, no entanto, deram uma esfriada com o passar dos anos. Hoje, garante ser mais caseiro. Entre os passeios dos quais não abre mão estão idas até a sua fazenda, na região de Ourinhos, no interior de São Paulo.

Detalhes da panificação de Charlô: pães variados, mil folhas e doces inesquecíveis
Detalhes da panificação de Charlô: pães variados, mil folhas e doces inesquecíveis
Foto: Vans Bumbeers / Velvet

Da paixão aos negócios

No novo espaço, Charlô diz que confiou no arquiteto Arthur Casas, a quem conhece de longa data e que já tinha feito projetos para outros espaços seus. Só pediu uma cozinha aberta, escolheu os jogos americanos em formato de folhas e os pratos. Ele sabia que tudo ia ficar lindo e fez questão de valorizar o trabalho de todos: de Arthur, da artista Carla Caffé, que assina o belo painel com a silhueta da cidade no salão do CHA CHA, e de sua equipe, que saltou de 30 para 100 funcionários. O Pulso também tem uma área de edifício residencial e Charlô conta que gosta de ver os moradores se tornando clientes fieis dos pães e doces frescos e das tortas e itens do empório.

Corre pela internet uma frase com tom de piada, mas com fundo de verdade, que diz que quando se trabalha com o que se ama, as chances de passar a não gostar mais daquilo são grandes. Não foi o que aconteceu com Charlô. Mesmo mais de 40 anos após ter deixado seu hobby lhe mostrar os caminhos profissionais e de seus negócios, ele ainda gosta de cozinhar e se encanta com ingredientes que encontra em suas andanças e viagens. O mais recente deles foi o marmelo. A fruta, que caiu praticamente no esquecimento depois de ser produzida em boa quantidade no país, apareceu para ele em uma feira paulistana.

Detalhes da panificação de Charlô: pães variados, mil folhas e doces inesquecíveis
Detalhes da panificação de Charlô: pães variados, mil folhas e doces inesquecíveis
Foto: Vans Bumbeers / Velvet

“Eu nunca tinha visto o marmelo. Tem receitas iranianas de carne com marmelo, eu me encantei. Plantei na minha fazenda e quando estive na França trouxe vários na mala, ao lado de muitos queijos”, conta. Os queijos ele levou para o bistrô para servir em tábuas e preparações especiais. Já o marmelo, fica para uma próxima. “Não deu tempo, fiquei com tudo pra mim mesmo”, ri. Quem sabe nos próximos anos? Pode ser uma ótima companhia para os doces e compotas que Charlô traz da fazenda e para o patê que é patrimônio gastronômico de São Paulo.

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Fonte: Velvet Conteúdos da revista Velvet